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domingo, 22 de julho de 2007

Homme pour Homme, Emmanuel Demarcy-Mota


Homme pour Homme
Teatro Nacional D. Maria II
24 e 25 de Julho de 2007

produção La Comédie de Reims – CDN | Théâtre de la Ville – Paris
apoio CULTURESFRANCE

Em Homme pour homme, um comissário torna-se numa máquina de guerra, um soldado bêbado é transformado em deus e um sargento sanguinário em civil desnorteado. A peça é o lugar das metamorfoses do homem, as da sua permeabilidade constante para a mudança, em primeiro lugar a de Galy Gay, figura central desta fantasia violenta.

Galy Gay era um homem pacífico até ao momento em que a acção desta história começa e a mulher o manda comprar um peixe. No caminho, encontra três soldados que precisam de um substituto para integrar o seu grupo. Para não ter problemas com a autoridade, Galy Gay aceita juntar-se a eles e passa a ser Jeraiah Jip, um guerreiro enraivecido. Ter-se-á Galy Gay deixado manipular ou, pelo contrário, estará a tirar proveito da situação? Será Jeraiah Jip uma personagem onde se refugiou ou terá, de facto, mudado? Onde reside a ambiguidade deste homem que não soube dizer não?

texto Bertolt Brecht
nova tradução François Regnault
encenação Emmanuel Demarcy-Mota
assistente de encenação Christophe Lemaire
música original (harpa) Bruno Mantovani
cenografia e desenho de luz Yves Colle
colaboração cenográfica Michel Bruguière
ambiente sonoro Jefferson Lembeye e Walter N'Guyen
figurinos Corinne Baudelot assistida por Elisabeth Cerqueira e Anne Yarmola
maquilhagem Chaterine Nicolas
acessórios Clémentine Aguettant
consultora literária Marie-Amélie Robilliard
assistente estagiário Matthieu Roy
trabalho de voz Robert Expert
trabalho de corpo Marion Levy
legendagem Mike Sens – MWT
fotografia Jean-Louis Fernandez

com
Hugues Quester | Marie-Armelle Deguy | Phillipe Demarle | Charles-Roger Bour | Jauris Casanova | Sandra Faure | Stéphane Krähenbühl | Gérald Maillet | Sarah Karbasnikoff | Pascal Vuillemot | Laurent Charpentier | Walter N'Guyen | Constance Luzzati (harpa)

Espectáculo co-apresentado com o Instituto Franco-Português, inserido na programação de «Lisboa Teatro Cidade Aberta»
Quinzena do Teatro Francês

Bertolt Brecht
Dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX (1898-1956), Brecht sofreu as consequências da Primeira Guerra Mundial ao assistir à destruição do seu país. Apoiante do regime socialista, como forma de contornar o seu desespero existencial, Brecht apercebeu-se em Berlim e, seguidamente, em Munique, da apetência do público pelo teatro moderno. Influenciado pela estética de Stanislavsky, Meyerhold e Piscator, o dramaturgo alemão constrói a sua obra sobre a teorização do Teatro Épico, para o qual contribuíram leituras de estudos marxistas e sociológicos. “Um Homem é um Homem”, “Mãe Coragem e Seus Filhos”, “A Vida de Galileu”, “O Senhor Puntilla e o seu Criado Matti”, “A Resistível Ascensão de Arturo Ui”, “O Círculo de Giz Caucasiano” ou “A Boa Pessoa Sezuan” foram algumas das suas obras onde, segundo a crítica, encontramos uma amálgama de Naturalismo e Expressionismo comparável à síntese marxista do mercantilismo e do idealismo dialéctico de Hegel.

Emmanuel Demarcy-Mota
Nascido em 1970, actor, dramaturgo e director, desde 2002, do teatro La Comédie de Reims, Emmanuel Demarcy-Mota fundou, em 1989, um grupo de teatro com outros alunos do Liceu Rodin (Paris XIII) onde dirigiu peças de Ionesco, Pirandello ou Wedekind. Reconhecido pelo Sindicato Nacional da Crítica Dramática e Musical com o Prémio de Revelação Teatro pela encenação de “Peine d’Amour Perdue”, de Shakespeare, tem apresentado, enquanto director da Comédie, peças como “Martia Hesse” (2005), de Fabrice Melquiot, “Ionesco Suite” (2005), “Variations Brecht” (2006) ou “Rhiconéros” (2006), de Eugène Ionesco, que conheceu grande sucesso nos palcos franceses.

La Comédie de Reims
Inaugurada em 1968, com o nome de “Espace André Malraux”, o teatro colaborava com regularidade com Robert Hossein. A Comédie adquiriu o estatuto de Centro Dramático Nacional em 1981, sob a direcção de Jean-Pierre Miquel, seguindo-se Jean-Claude Drouot e Denis Guénoun, em 1987. Christian Schiaretti ocupou o lugar em 1991, sucedido, em 2002, por Emmanuel Demarcy-Mota, actual director. O projecto de Demarcy-Mota centra-se, fundamentalmente, em torno de dois eixos: por um lado, o encenador insiste na formação de um colectivo de actores, autores e músicos, unidos por um projecto comum; por outro, tem promovido a abertura da companhia às colaborações internacionais e à residência artística de outros grupos no espaço da Comédie. O investimento na formação do público jovem tem também sido uma das preocupações da sua direcção.
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Mite 2007
mostra internacional de teatro

Bertolt Brecht escreveu uma peça que problematiza a relação do indivíduo
com a sociedade capitalista e que questiona os limites da identidade. Emmanuel Demarcy-Mota regressa ao Teatro Nacional para nos mostrar como lê esta peça, oito décadas depois de ter sido escrita

Ricardo Paulouro

Bertolt Brecht disse: “Um homem é um homem”. O que podemos fazer a um ser humano? Até onde pode um homem mudar? Emmanuel Demarcy-Mota regressa ao TNDM II, depois de “Rhinocéros”, de Eugène Ionesco (MITE’06), com uma leitura contemporânea do texto de Brecht, considerado pela crítica como uma comédia anti-guerra. Uma pesquisa intensa de dois meses levou o encenador francês a pôr em cena uma reflexão sobre aquilo que designa de “novo tipo de homem”, um homem construído, ou melhor, fabricado. Destaque para alguns nomes associados a este projecto, como é o caso de François Regnault que assina esta tradução após outras feitas em colaboração com Emmanuel Demarcy-Mota – “Six Personnages em Quête d’Auteur”, de Pirandello e “Tanto Amor Desperdiçado”, de Shakespeare. Esta última, com a colaboração do Governo Francês, estará, aliás, no TNDM II, em Setembro, num contexto de abertura do teatro ao mundo. A tradução portuguesa de Nuno Júdice e a presença da actriz Dalila Carmo confirmam a dimensão europeia deste projecto.

Destaque ainda, em “Homme pour Homme”, para a presença de Yves Collet que assina as luzes e a cenografia, Jefferson Lembeye e Walter N’Guyen no plano sonoro ou a colaboração do jovem compositor de música contemporânea, Bruno Mantovani, de quem se reproduz uma obra inédita para harpa. Com uma galeria de personagens marcante, também pela densidade psicológica que o texto brechtiano exige, esta peça mostra-nos como Brecht ocupa um lugar importante no século XX, pela forma como questiona a existência humana. O espectador assiste a um processo de transformação ao longo da peça, mas com contradições, avanços e recuos, reforçando como a violência psicológica pode ser angustiante.


Um jogo de identidades
Escrito em 1926, e conhecendo posteriormente outras versões, este texto problematiza a relação do indivíduo com a sociedade capitalista, uma relação incompatível aos olhos de Brecht. Face aos padrões socialmente impostos, resta ao homem aceitar ou contestar, consciente de que a sua identidade é permanentemente ameaçada.

O protagonista desta peça, Galy Gay, descobre como o motor da guerra não é o homem mas sim um conjunto de razões económicas. A actualidade do tema, pelo desenvolvimento psicológico das personagens, pelos diálogos, prende o espectador através da intensidade com que tudo é vivido.

Progressivamente, Galy Gay transforma-se num soldado de Sua Majestade, bruto, sanguinário, manobrado. Quem é então Galy Gay? A esta questão tentou Brecht responder várias vezes, numa tentativa de definir um novo humanismo, sob a bruma do antigo, onde o indivíduo deixe de ser um jogo, um instrumento de um sistema moderno desumano.

A atmosfera da peça é a de um mundo em transformação, onde as identidades se invertem. O homem também se pode transformar numa máquina de guerra, num mundo feito de máquinas, mercantilista e cínico, onde vale tudo. Para Brecht, é na luta colectiva, na luta de classes ou de massas, como diríamos hoje, e não no destino individual, que se encontra a liberdade.

Também Marx o havia dito: a liberdade de um não termina com a liberdade do outro mas, pelo contrário, começa. O registo poético coexiste aqui com o didáctico. Os homens surgem reduzidos a meras funções e, face a estes homens-máquinas, Emmanuel Demarcy-Mota dirige uma máquina cénica, plena de tensão, de jogo, de violência e de ironia. O espectador guarda a magia desse intervalo que o separa do palco – a opção de se transportar, ou não, para aquele espaço, de tentar descobrir quem é, afinal, aquele homem.

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