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quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Filoctetes de Sófocles

Teatro da Cornucópia, até 26 de Novembro de 2006.

A caminho de Tróia, para fazer a guerra, Filoctetes foi mordido por uma serpente venenosa. Os chefes seus companheiros, Agamémnon, Menelau e Ulisses abandonaram-no então numa ilha deserta porque o cheiro da sua ferida e os seus gritos de dor tornavam a viagem insuportável. Filoctetes sobrevive sozinho a esse abandono e à doença graças à sua capacidade de resistência e ao seu arco sagrado, o arco que Héracles lhe dera antes de morrer, caçando animais.

Nove anos depois e já depois da morte de Aquiles na guerra, um oráculo diz que Tróia só será vencida com Filoctetes e o seu arco sagrado. Ulisses decide voltar à ilha e, servindo-se de Neoptólemo, o jovem e ingénuo filho de Aquiles, tenta trazer para Tróia Filoctetes com o seu arco. Filoctetes não se quer deixar convencer, ferido como está pela sorte injusta a que foi votado durante tantos anos. Ulisses tenta que o jovem o traga ao engano, convencendo-o que o está a levar para casa. Mas gera-se uma forte relação entre o rapaz e o envelhecido Filoctetes e é Filoctetes que leva o rapaz a voltar à sua natureza leal e o convence a transportá-lo de volta para a Grécia, abandonando a guerra e os seus chefes traidores.

Só que os deuses não permitem que assim seja: Héracles desce do Olimpo e salva Neoptólemo do seu insolúvel conflito moral ordenando a Filoctetes que vença o seu orgulho e aceite ir para Tróia onde será curado da doença e onde, com o seu arco e flechas sagrados e com o seu jovem companheiro, conseguirá que os Gregos ganhem a guerra.

É uma das últimas e mais estranhas tragédias de Sófocles. Não há mortes. A violência é interior. Toda a acção é um viril debate moral que põe em jogo a tensão entre a vontade humana e o destino, e a integridade individual e o dever político. É sobretudo o doloroso processo de educação moral de um jovem através de uma elaborada sedução, a de um velho herói que conquista a sua amizade. Na presença de um coro de marinheiros ultrapassados por personagens de excepção.

Tudo neste texto é antigo. Tudo é estranho ao nosso tempo que não dá tempo e espaço para a tragédia moral. O espectáculo, na sua radical austeridade, confronta o público de hoje com um debate fundador de uma civilização que já não o reconhece. E com uma esquecida relação da política com a humanidade.

Recriação poética Frederico Lourenço
Encenação Luis Miguel Cintra
Cenário e figurinos Cristina Reis
Desenho de Luz Daniel Worm d’Assumpção
Interpretação André Silva, António Fonseca, Duarte Guimarães, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Martim Pedroso, Nuno Gil e Tiago Matias.

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